O emprego da vírgula, algumas considerações

Atenção: Engana-se quem pensa que em toda pausa há uma vírgula, e que em toda vírgula há uma pausa. A pontuação em língua portuguesa segue critérios sintáticos, e não oratórios, isto é, as vírgulas "de ouvido". Vírgula é, por definição, conforme Luft (1996, p. 9) sinal de pontuação que indica falta ou quebra de ligação sintática (regente + regido, determinado + determinante) no interior das frases. A vírgula não separa o que é sintaticamente ligado.

Repare:



Regras: Toda frase pode apresentar quatro elementos: sujeito, verbo, complementos, circunstâncias (tempo, lugar, modo e outras). Dessa forma, seguem as dicas:

Não se deve usar vírgula entre:

- sujeito, verbo e complementos;
- Sujeito e verbo (ou duas ou nenhuma) Ex.: Compareceram, ontem, alunos mais interessados. Compareceram ontem alunos mais interessados.
- verbo e complementos.

Podem ser separadas por vírgulas as frases cujas circunstâncias ocorrerem nas seguintes ordens:

- verbo, sujeito e complementos; Ex.: Faça, do trabalho, seu sustento.
- verbo, complementos e sujeito. Ex.: Pegue, aqui, os livros separados.


Uma pegadinha: vírgula e verbo subentendido


Ocorre quando há um período absoluto. Mas vejamos os exemplos:



Povo educado, povo limpo. A vírgula marca a elipse do verbo, que provém de Povo educado é povo limpo, Povo educado e povo limpo, Povo que é educado e povo que é limpo. Mas como não é uma coordenação assindética, o correto é Povo educado povo limpo.





Vírgulas e adverbiais: ou duas, ou nenhuma. Ex.: Ela, que é muito esperta, fechou logo a loja. O garoto, rapidamente, subiu as escadas. O garoto rapidamente subiu as escadas. 





DICA DE ESTUDO SOBRE VÍRGULA: Livro A vírgula, de Celso Pedro Luft. Ed. Ática.

Você conhece a poesia de Manoel de Barros?


Imagética, neológica, inusitada e dotada de recriações.



A construção e a representação do imagético e do neológico para Manoel de Barros são instrumentos de criação. Os aspectos correlatos ao imagético e ao neológico, representados por meio da linguagem, representam uma estética literária de criação do novo, de novas nomenclaturas para objetos, seres e coisas.

Manoel de Barros é um poeta da geração contemporânea, marcada pela produção cultural bastante intensa em todos os setores, em busca de novas formas de expressão.

Para o poeta, as palavras representam tudo aquilo que se imagina, sendo possível o efeito desejado, basta o poder da criação, pois busca expressar, em palavras, as relações semânticas que vão além do convencional. Manoel de Barros revela o avesso das coisas, a transfiguração (desdobramentos) das imagens, comunicando e mudando o significado denotativo (objetivo) para o transfigurado. O poeta, ao observar e capturar as imagens do dia a dia para transgredi-las, desconstrói essas representações para fazer uso do imagético e do neológico. Com isso, as práticas sociais e as variadas formas de representação dos objetos ganham novos significados, incorporados em sua poesia como sobras da sociedade capitalista, ou seja, a revelação do que é desnecessário e desvirtuoso.

A sua poesia ultrapassa o convencional, transportando o leitor para um mundo em que o mais simples torna-se especial ao agregar significados que vão além do real, significados profundamente extraídos e transformados em palavras, numa investigação mais minuciosa sobre o fazer poético, que demanda uma transformação profunda do olhar para o mundo e para a própria poesia.
                  
Manoel de Barros presenciou o advento de várias gerações, dentre elas a de 45, que, no campo da poesia, foi marcada pela universalidade temática aliando ritmo e sentido às palavras poéticas, revelando uma linguagem dotada de regionalismo, chavões, banalidades do cotidiano, dentre outros. Por tais motivos a sua poesia vem carregada de uma força expressiva condizente às novas formas de expressão típicas das produções contemporâneas.  O poeta rompeu com a língua padrão, com a norma culta, para fazer arte de um modo articulado, onde o poético reside em transformar e fazer nascer novas significâncias.


O autor “gosta de fazer imagens pra confundir as palavras.  A natureza e a palavra são tomadas naquilo que há de “menor”, de mais simples e insignificante e convertem-se em elementos fundamentais no processo de criação literária em toda a sua magnificência.


É possível perceber a revelação de coisas e objetos transfigurados de forma reveladora e extremamente profunda. É como se fosse necessário haver um “abridor de amanhecer” para enxergarmos a beleza do amanhecer. Com isso Manoel de Barros cria um mundo intimista em que observa e, na sua própria linguagem, “desinventa” aquilo que já está sedimentado. Para ele, os objetos precisam ser despidos de suas funções para atingirem sua beleza.                  
                  
Os recursos literários, metafóricos e visuais, quebram com o hábito de uma composição de versos que respeitem o purismo lexical e a sensibilidade acostumada, para desdobrar-se no inédito, no mundo imagético e neológico através do efeito das palavras.

O ambiente de sua infância, cujas lembranças se fazem presentes em sua vida, também contribui para uma construção de linguagem recheada de criatividade. A sua criatividade para com o uso de neologismos e imagéticos se compara à capacidade das crianças para com a construção de signos linguísticos não convencionais. (Aline Seabra)

"Canção do ver"

Por viver muitos anos dentro do mato
moda ave
O menino pegou um olhar de pássaro —
Contraiu visão fontana.
Por forma que ele enxergava as coisas
por igual
como os pássaros enxergam.
As coisas todas inominadas.
Água não era ainda a palavra água.
Pedra não era ainda a palavra pedra.
E tal.
As palavras eram livres de gramáticas e
podiam ficar em qualquer posição.
Por forma que o menino podia inaugurar.
Podia dar às pedras costumes de flor.


Manoel de Barros

Livro: Poemas Rupestres
Comentário: O poeta faz uma revelação dos fatos mundanos a partir da sua óptica, mostrando o seu forte poder criativo.

O uso dos porquês

É comum encontrarmos erros quanto ao uso dos porquês, isso porque funcionam, de acordo com a gramática, como conjunção, substantivo e, quando separados, por = preposição, que = pronome interrogativo, indefinido ou relativo.



Entenda as diferenças:



Porque: Funciona como conjunção causal ou explicativa, e equivale a pois, uma vez que, porquanto, para que. Ex.: Não comparecei porque [= pois] tive que estudar para a prova. Não corra na estrada porque [= uma vez que] está previsto muita chuva.



Por quê: Deve ser empregado quando vier antes de um ponto, seja final, interrogativo ou exclamativo, ou ainda, quando houver perguntas diretas ou indiretas. Ex.: Felipe não comeu tudo. Por quê? Você não comparaceu hoje. Diga-me por quê.

Por que: Há duas situações de uso:
a) Quando a junção da preposição por + pronome interrogativo ou indefinido que, substituir ou possuir o significado de por qual razão, por qual motivo. Ex.: Por que [= por qual razão] você não comprou a blusa azul? Eu não sei por que [= por qual motivo] minha professora faltou.
b) Quando a junção da preposição por + pronome relativo que, possuir o significado de pelo qual e suas variações (pela qual, pelas quais, pelos quais). Ex.: Ela estava resfriada, esse é o motivo por que [= pelo qual] não foi à aula.

Porquê: Funcionana como substantivo, e vem sempre acompanhado (precedido) de artigo,  adjetivo, numeral ou pronomes que que dão a ideia de motivo, causa.Ex.: Sabemos bem o porquê [ motivo] de o Brasil enfrentar tantas dificuldades econômicas e sociais. Diga-me um porquê [ razão] para não fazer a atividade. 

De Gramática e de Linguagem

E havia uma gramática que dizia assim:
"Substantivo (concreto) é tudo quanto indica
Pessoa, animal ou cousa: João, sabiá, caneta".
Eu gosto das cousas. As cousas sim !...
As pessoas atrapalham. Estão em toda parte. Multiplicam-se em excesso.
As cousas são quietas. Bastam-se. Não se metem com ninguém.
Uma pedra. Um armário. Um ovo, nem sempre,
Ovo pode estar choco: é inquietante...)
As cousas vivem metidas com as suas cousas.
E não exigem nada.
Apenas que não as tirem do lugar onde estão.
E João pode neste mesmo instante vir bater à nossa porta.
Para quê? Não importa: João vem!
E há de estar triste ou alegre, reticente ou falastrão,
Amigo ou adverso...João só será definitivo
Quando esticar a canela. Morre, João...
Mas o bom mesmo, são os adjetivos,
Os puros adjetivos isentos de qualquer objeto.
Verde. Macio. Áspero. Rente. Escuro. luminoso.
Sonoro. Lento. Eu sonho
Com uma linguagem composta unicamente de adjetivos
Como decerto é a linguagem das plantas e dos animais.
Ainda mais:
Eu sonho com um poema
Cujas palavras sumarentas escorram
Como a polpa de um fruto maduro em tua boca,
Um poema que te mate de amor
Antes mesmo que tu saibas o misterioso sentido:
Basta provares o seu gosto...

(Mário Quintana)