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Algumas habilidades da vírgula 1 Pausa inconclusa Quando surge na escrita, marca uma pausa inconclusa na fala. Exemplo: "Quando surge na escrita, marca uma pausa inconclusa na fala". 2 Marcar fronteiras Opera sempre na oração, marcando fronteiras entre orações ou entre elementos oracionais. Exemplo em que surge com seu charme todo: "Julião Machado, segundo me dizem, é homem culto e ilustrado; e, como entre nós, no nosso meio doutoral e bacharelesco, os artistas são apresentados como ignorantes, ele quer mostrar com as suas legendas, longas, virguladinhas, que não é" (Lima Barreto, Feiras e Mafuás). 3 Habilidades seriais A vírgula sinaliza séries de vocábulos, de termos, de orações: "Preguei, demonstrei, honrei a verdade eleitoral, a verdade constitucional, a verdade republicana" (Rui Barbosa, "Oração aos Moços"). Nesta função de seriadora, às vezes cede espaço para o ponto e vírgula, e fazem elegantes manobras conjuntas: "Mal o avistavam, já as caras refloriam; se fazia um gesto, espirravam risos; se abria a boca, espigaitavam-se uns, outros afrouxavam os coses, terceiros desabotoavam os coletes." (Monteiro Lobato, O Engraçado Arrependido). 4 Intercalação A vírgula marca bem a intercalação de elementos na oração, mas não reclama se o escritor por vezes usar para isso travessões ou parênteses: "Pode-se dizer, sem a menor sombra de dúvida, que a vírgula é - e não por acaso - o corpo e a alma da pontuação". 5 Dar ênfase Sinaliza com eficácia a transposição enfática de um elemento do meio ou do final de uma oração para o início, ou do início para o final: "Ingênuo, o Inácio nunca foi. - Era um sujeito de fala mansa e longas dissertações, o Inácio." 6 Colaborar com a elipse A vírgula marca a omissão de termos no período: "Aqueles são a parte da natureza. Estes, a do trabalho" (Rui Barbosa, Oração aos Moços) 7 Ser, muitas vezes, facultativa O que abre campo a manobras estilísticas: "Mas neste clima singular e típico destacam-se outras anomalias, que ainda mais o agravam." Nessa passagem de Os Sertões, Euclides também poderia ter escrito: "Mas, neste clima singular e típico, destacam-se outras anomalias, que ainda mais o agravam". 8 Ser lógica e articulada Não se presta a separar o inseparável. Assim, nada de pô-la entre sujeito e predicado ou entre verbo e seu objeto. Não "Pedro, compra livros" ou "Pedro compra, livros" quando se quer "Pedro compra livros". Se há aposto, pode-se tê-la duas vezes, antes e depois, para marcar o fato: "Pedro, meu irmão, compra livros". 9 Substituir outros sinais A vírgula não é egoísta. Atua em ambientes em que outros sinais atuariam. Uma mina de ouro para escritores, que descobrem veios de expressividade na alternância de vírgula, ponto, ponto e vírgula, dois-pontos, travessões, parênteses. Veja a passagem de Euclides: "O jagunço é menos teatralmente heroico; é mais tenaz; é mais resistente; é mais perigoso; é mais forte; é mais duro." Belo efeito, que teria diferente matiz com a vírgula: "O jagunço é menos teatralmente heroico, é mais tenaz, é mais resistente, é mais perigoso, é mais forte, é mais duro". Matiz distinto haveria com o uso de pontos: "O jagunço é menos teatralmente heroico. É mais tenaz. É mais resistente. É mais perigoso. É mais forte. É mais duro". Ao escritor compete a escolha adequada ao texto. 10 Ser usada com expressividade A vírgula costuma ser certinha no comportamento, mas, vez por outra, por expressividade, pode surgir onde não devia, ou não surgir onde devia. Malícias do ofício! Foi o que fez Euclides, ao colocá-la para marcar pausa mecânica (também chamada respiratória) em "Mas no sul a força viva restante no temperamento dos que vinham de romper o mar imoto, não se delia num clima enervante." |
A vírgula e algumas de suas habilidades
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