Imagética, neológica, inusitada e dotada de recriações.
A construção e a representação do imagético e do neológico para Manoel de Barros são instrumentos de criação. Os aspectos correlatos ao imagético e ao neológico, representados por meio da linguagem, representam uma estética literária de criação do novo, de novas nomenclaturas para objetos, seres e coisas.
Manoel de Barros é um poeta da geração contemporânea, marcada pela produção cultural bastante intensa em todos os setores, em busca de novas formas de expressão.
Para o poeta, as palavras representam tudo aquilo que se imagina, sendo possível o efeito desejado, basta o poder da criação, pois busca expressar, em palavras, as relações semânticas que vão além do convencional. Manoel de Barros revela o avesso das coisas, a transfiguração (desdobramentos) das imagens, comunicando e mudando o significado denotativo (objetivo) para o transfigurado. O poeta, ao observar e capturar as imagens do dia a dia para transgredi-las, desconstrói essas representações para fazer uso do imagético e do neológico. Com isso, as práticas sociais e as variadas formas de representação dos objetos ganham novos significados, incorporados em sua poesia como sobras da sociedade capitalista, ou seja, a revelação do que é desnecessário e desvirtuoso.
A sua poesia ultrapassa o convencional, transportando o leitor para um mundo em que o mais simples torna-se especial ao agregar significados que vão além do real, significados profundamente extraídos e transformados em palavras, numa investigação mais minuciosa sobre o fazer poético, que demanda uma transformação profunda do olhar para o mundo e para a própria poesia.
Manoel de Barros presenciou o advento de várias gerações, dentre elas a de 45, que, no campo da poesia, foi marcada pela universalidade temática aliando ritmo e sentido às palavras poéticas, revelando uma linguagem dotada de regionalismo, chavões, banalidades do cotidiano, dentre outros. Por tais motivos a sua poesia vem carregada de uma força expressiva condizente às novas formas de expressão típicas das produções contemporâneas. O poeta rompeu com a língua padrão, com a norma culta, para fazer arte de um modo articulado, onde o poético reside em transformar e fazer nascer novas significâncias.
O autor “gosta de fazer imagens pra confundir as palavras. A natureza e a palavra são tomadas naquilo que há de “menor”, de mais simples e insignificante e convertem-se em elementos fundamentais no processo de criação literária em toda a sua magnificência.
É possível perceber a revelação de coisas e objetos transfigurados de forma reveladora e extremamente profunda. É como se fosse necessário haver um “abridor de amanhecer” para enxergarmos a beleza do amanhecer. Com isso Manoel de Barros cria um mundo intimista em que observa e, na sua própria linguagem, “desinventa” aquilo que já está sedimentado. Para ele, os objetos precisam ser despidos de suas funções para atingirem sua beleza.
Os recursos literários, metafóricos e visuais, quebram com o hábito de uma composição de versos que respeitem o purismo lexical e a sensibilidade acostumada, para desdobrar-se no inédito, no mundo imagético e neológico através do efeito das palavras.
O ambiente de sua infância, cujas lembranças se fazem presentes em sua vida, também contribui para uma construção de linguagem recheada de criatividade. A sua criatividade para com o uso de neologismos e imagéticos se compara à capacidade das crianças para com a construção de signos linguísticos não convencionais. (Aline Seabra)
"Canção do ver"
Por viver muitos anos dentro do mato
moda ave
O menino pegou um olhar de pássaro —
Contraiu visão fontana.
Por forma que ele enxergava as coisas
por igual
como os pássaros enxergam.
As coisas todas inominadas.
Água não era ainda a palavra água.
Pedra não era ainda a palavra pedra.
E tal.
As palavras eram livres de gramáticas e
podiam ficar em qualquer posição.
Por forma que o menino podia inaugurar.
Podia dar às pedras costumes de flor.
Manoel de Barros
Livro: Poemas Rupestres
Comentário: O poeta faz uma revelação dos fatos mundanos a partir da sua óptica, mostrando o seu forte poder criativo.